ANUNCIE NO GUIA TÊXTIL
Mais de 30 mil empresas já estão
no Guia Têxtil, e a sua?

SAIBA MAIS SOBRE O GUIA TÊXTIL
ENTRE EM CONTATO CONOSCO

Digite seu nome Digite seu telefone Digite sua cidade

Seu email foi enviado com sucesso!

Pequeno manual da crise na indústria da moda

O ano de 2015 tem sido duro com a indústria da moda no Brasil. Quais são as soluções e possibilidades não só para as marcas sobreviverem a este período como também saírem mais fortes e emergirem para o mundo? Confira dicas de Marcelo Prado, diretor do Instituto de Estudos e Marketing Industrial (IEMI), fornecidas em entrevista para a LINC - Lectra Informations & Cases:

Marcelo Prado

Marcelo Prado - Especialista em Inteligência de Mercado

Marcelo abordou aqui um amplo espectro de questões relativas à nossa indústria, da qual tornou-se um dos maiores especialistas do país: fala do fast fashion, dos desafios das pequenas e grandes empresas, da necessidade de diferenciação das marcas e dos desafios da globalização pelas companhias brasileiras. Marcelo tem uma visão cartesiana: em época de crise, diz ele, a responsabilidade do crescimento sai do mercado e passa para a empresa. Isto porque o mercado não ajuda ninguém a crescer. Para ele, quando a responsabilidade vem para o empresário, são as suas decisões que vão colocar a empresa no grupo das que vão crescer ou das que não vão crescer. E o que é possível fazer nesta situação? Marcelo tem a resposta: nesse momento existe uma máxima insuperável que é a de que o novo vende. Dentro da crise, reforça, o que vai vender é o novo. O “mais do mesmo” não vai girar. Ficará sempre dependente de uma política de redução de preços. Mas quando a margem cai ao mesmo tempo em que os custos sobem, a conta não fecha. Então é preciso inovar. Veja como na entrevista a seguir:

LINC - Alguns grandes players da indústria brasileira têm conseguido a duras penas praticar o modelo fast fashion, muitos outros não. Este modelo demanda velocidade nos processos, seja no que se refere a
desenvolvimento de produto, produção ou logística. Como o Sr. vê isso?

MP - Nossos estudos mostram que para aderir a este modelo uma empresa precisa, antes de tudo, de escala. Em um modelo em que várias coleções são desenvolvidas concomitantemente, para serem lançadas em curtos espaços de tempo, é necessário uma série de fornecedores, multi-suprimentos. Necessariamente, parte desse produto será produzido dentro de casa, parte adquirida de terceiros, parte será importada. Esse ritmo de novidades nas lojas exige uma estrutura grande e as grandes empresas, sejam elas fabricantes ou lojistas, estão conseguindo utilizar corretamente as possibilidades que o Brasil dispõe hoje como um mercado aberto às importações, possibilidade de negócios via Mercosul, regiões incentivadas no país e possibilidade de se produzir em outros países como o Paraguai. Mas isso tudo torna as operações complexas. Por isso, para entrar neste modelo é necessário ter escala industrial. 

LINC - Os pequenos têm como participar desse negócio?

MP - Não têm e nem devem tentar seguir o modelo das grandes. O fast fashion é uma imposição para as redes que se internacionalizaram ou se disseminaram para todas as regiões do país. É uma resposta destas redes para competir dentro do padrão de concorrência a que elas estão sujeitas. As pequenas não têm essa necessidade, não estão sujeitas às mesmas circunstâncias. O que as pequenas devem fazer é se especializar, encontrar o seu nicho de mercado, aquele que está associado à identidade da sua marca, seu DNA, sua vocação e aí criar uma solução completa. O caminho para as pequenas marcas é a especialização mais do que tudo. A pequena empresa tem que se dedicar a criar inovação, dentro de uma segmentação clara. Devem se atualizar bastante em termos de tecnologia, processos, qualidade. Colocar tudo dentro do computador, desenvolvimento, corte, tudo isso hoje tem que estar automatizado. E a velocidade, eficiência e produtividade que ela vai conseguir com tudo isso tem que ser para inovar. Não no sentido da diversidade, da renovação de coleções, mas na criação de produtos exclusivos e originais com identidade própria. Isso é uma vantagem competitiva, uma proposta de valor que os concorrentes terão dificuldades de reproduzir.

LINC - Uma pesquisa realizada pelo IEMI para a Lectra, revelou que apenas 24% das empresas no Brasil utilizam softwares de design para criação de produtos. Ou seja, ainda há muito espaço para que a tecnologia seja realmente implantada nas indústrias. Por que isso acontece?

MP - A indústria de moda no Brasil é muito grande em número de players, em diversidade de perfis e portes das empresas e também em volume. A tecnologia tende a entrar nas empresas que estão mais avançadas, mais estruturadas: são elas que mostram o caminho para as outras. Falar em tecnologia, em incorporar processos automatizados, para uma empresa que tem 20, 30 anos de mercado, sempre vai gerar uma resistência. Maior do que a barreira financeira, do investimento, está a barreira cultural. A barreira do conhecimento. As pessoas dizem “eu sempre fiz assim e sempre deu certo”. Portanto, isso faz parte de um processo de renovação. As tecnologias vão chegando, grandes empresas implantam núcleos internos para absorver esse novo conhecimento, e assim vai se dando a renovação cultural. Hoje temos no comando uma geração que vem de uma cultura analógica. A geração que está chegando, com certeza vai mudar esse quadro.

LINC - Qual é o segredo para sobreviver em um cenário de crise econômica como o que estamos enfrentando?

MP - Em época de crise, a responsabilidade do crescimento sai do mercado e passa para a empresa. O mercado não vai ajudar ninguém a crescer. Quando a responsabilidade vem para o empresário, são as suas decisões que vão colocar a empresa no grupo das que vão crescer ou das que não vão crescer. E o que é possível fazer nesta situação? Acho que nesse momento existe uma máxima insuperável que é: o novo vende. Dentro da crise o que vai vender é o novo. Mais do mesmo não vai girar. Ficará sempre dependente de se baixar o preço. Mas quando a margem cai ao mesmo tempo em que os custos sobem, a conta não fecha. Então é preciso inovar. Mas a inovação não vende sozinha. A inovação é o resultado do novo + ação. O novo precisa de ação junto. É preciso lançar bem esse produto, selecionar corretamente o público alvo, promover adequadamente, precificar corretamente, entregar no prazo, monitorar. Em todo esse processo, quando mais inteligência houver na gestão, mais fácil será transformar esse novo em negócio, em resultado. Então, as empresas que estão mais à frente, tanto no que se relaciona a processos, quanto à tecnologia, estão mais aptas a criar a inovação neste momento de crise.

LINC - Nas últimas décadas, o modelo mais adotado pelas marcas de moda foi a terceirização da produção. As vezes até para outros países. Esse modelo deve se manter nos próximos anos?

MP - A China e os asiáticos vão continuar sendo uma opção para nós, para complementação do nosso mix. As empresas que terceirizam dentro do país o fazem por questões trabalhistas, redução de custos e agilidade. Terceirizar ainda é importante. Não dá para produzir tudo. Este modelo não vai mudar porque a complexidade está acima da simples questão de preço. É o resultado de um planejamento em que se analisa onde a empresa é mais eficiente (e que, portanto, deve continuar atuando diretamente) e onde não é tão eficiente – e quais são as vantagens de terceirização neste caso. A segmentação da produção leva muitos fatores em conta: limitações de equipamentos, pessoas, etc. O objetivo é ganhar flexibilidade e eficiência.

LINC - O sistema de produção enxuta, iniciado pela indústria automotiva, começa a ser adotado pela indústria da moda. O objetivo é tornar o processo produtivo mais eficiente, evitando desperdício de tempo, matéria-prima, gargalos de logística e integrando as equipes envolvidas. Como o Sr. vê a aplicação deste sistema na indústria da moda?

MP - O modelo de produção enxuta tem sido incorporado pela indústria da moda por conta, principalmente dessa necessidade de se ter que lançar cada vez mais coleções, e em cada coleção haver mais opções de produtos. Hoje você não tem mais uma peça, você tem um look. As empresas vendem um estilo. E se não for assim, a empresa está condenada a vender roupa e não moda. Vai ter que entrar na briga por preço. Então, isso obriga a se diferenciar cada vez mais. Ter variedade, inovação etc. O que torna as escalas industriais cada vez maiores. Uma coisa é produzir 10 mil peças de um produto. Outra é produzir dez produtos sendo mil peças de cada um, ou, muitas vezes sem uma divisão equilibrada do mix: 100 peças de um produto e 2000 de outro. O custo unitário vai lá para cima. E a complexidade do processo de desenvolvimento também. Como resultado ocorre a segmentação da produção em vários terceirizados. Este ambiente sobrecarrega toda a administração da produção. Se esta gestão não estiver automatizada não é possível ser eficiente. Por isso é preciso soluções tecnológicas. É preciso associar inteligência a toda essa complexidade para garantir organização e rentabilidade. Acredito que é um caminho sem volta.

LINC - Como o senhor resumiria o que é preciso para uma empresa ser competitiva hoje?

MP - É uma combinação de vários fatores, como falamos anteriormente. Mas há um ponto principal: ser ela mesma. Ter pontos diferenciais. O nosso aprendizado é por imitação, ou seja, as empresas entram no mercado imitando os outros. Mas a longo prazo, só vai ter uma vantagem competitiva sustentável se tiver seus próprios diferenciais. É fundamental construir valor. E valor vem da diferenciação. O aprendizado vem da imitação, é uma coisa natural e não irá mudar, mas o valor vem da diferenciação. Temos que utilizar este aprendizado para fazermos de uma forma diferente, do nosso próprio modo. Se oferecermos ao mercado algo idêntico ao que os concorrentes já fazem, seremos apenas mais um imitador e estaremos condenados a vender mais barato. E, em tempos de crise, essa estratégia não é lucrativa.

LINC - Essa receita também vale para as empresas que pretendem ter sucesso globalmente?

MP - O Brasil já teve sucesso de exportação no passado como uma alternativa aos produtores europeus e americanos como fornecedores de baixo custo. Chegávamos nos grandes compradores e desenvolvíamos os produtos que eles queriam comprar por um preço menor. Nós nos posicionamos como “mais-do-mesmo-mais-barato”, o que foi bastante lucrativo enquanto o dolar era valorizado e os asiáticos não tinham tomado conta desse mercado. Esse privilégio hoje é dos asiáticos. Nós não vamos mais ganhar dinheiro com a exportação, repetindo esse modelo. Nós temos que voltar para a exportação sim, mas com nossos próprios diferenciais, com produtos originais, com brasilidade embutida, tentando tirar proveito do nosso estilo de vida que é bem conhecido lá fora. Vide o chinelo Havaiana. Em nenhum momento pensou-se em se exportar chinelo de dedo, mas sim um estilo de vida, de comportamento despojado, mas com muito apelo modal. Em cosméticos, não estamos tentando vender uma cópia barata de perfume francês, mas sim, um produto diferenciado, com essências da Amazônia, óleos das nossas palmeiras e outras características que nos tornam únicos.

LINC - Temos observado várias empresas deste mercado tendo dificuldade para encontrar profissionais capacitados nas áreas de produção. Parece que há uma carência de profissionais habilitados a utilizar as tecnologias que estão disponíveis em áreas como modelagem, por exemplo, que hoje já conta até com sistemas em 3D. Como o Sr. vê o nível de capacitação dos profissionais neste setor?

MP - Por muito tempo, o setor de moda foi uma alternativa para pessoas menos qualificadas. Com algumas horas de treinamento, transformava-se uma pessoa sem nenhuma habilitação em costureira, cortador ou bordadeira. Mas isso nunca preparou essas pessoas para atuar em atividades mais complexas, em equipamentos eletrônicos, cheios de recursos digitais, equipados com softwares avançados, que monitoram diferentes processos de produção. Hoje os modelos de negócios impõem cada vez mais o uso intensivo de tecnologia para o ganho e a manutenção da competitividade. Isso afeta diretamente a estrutura de contratação que sempre imperou neste mercado. A partir de agora, será necessário a criação de novos times, com novos perfis de profissionais. Novas habilidades. O operário da indústria automobilística lá atrás era um apertador de parafuso. Hoje ele é um técnico que conhece sistemas digitais, opera robôs e softwares integrados com as diferentes etapas do processo de produção. O mesmo vem ocorrendo na indústria de calçados, na moveleira, na indústria gráfica, ou em qualquer outro segmento. Da mesma forma, o profissional da indústria da moda também terá que se adaptar.

Fonte: LINC - Lectra Informations & Cases (newsletter mensal da Lectra) | Fotos: Divulgação

Voltar